As recentes
noticias vindas a público revelam um Municipio frágil, que não sabe muito bem
actuar nestes novos tempos de democracia e lá vai fazendo as coisas da melhor
maneira que sabe… não duvido. Mas ás vezes é bom vermos as coisas por trás do
pano para perceber realmente como as coisas se passam:
O Município de Setúbal fez publicar no D.R. nº43 II série – Parte L no dia
3 de Março de 2010, um anúncio de Concurso Público para a “Aquisição de Projectos de Execução e
Assistência Técnica da Casa da Cultura”, com o tipo de contrato: Aquisição
de Serviços.
Os documentos foram disponibilizados aos interessados através da
plataforma electrónica www.compraspublicas.com.
Após descarregamento das peças do procedimento verificou-se da leitura do
caderno de encargos, que o programa de elevada complexidade, consistia em
síntese, na recuperação, adaptação e refuncionalização de um edifício no centro
histórico prevendo-se a instalação de 4 valências: Escola de música; Centro de
documentação, estudo e promoção da canção popular Portuguesa; Espaço expositivo
(Espaço das Artes); Núcleo partilhado, com zona de bar e café concerto,
auditório e salas de ensaio, para além de outros espaços acessórios.
Com o procedimento eram solicitados múltiplos documentos de modo a
constituir uma proposta, projectos de todas as especialidades ao nível do
programa base, Estudo Prévio de
Arquitectura, maqueta ou modelo 3D, desenhos rigorosos de plantas, cortes e
alçados, encarnados e amarelos, fotomontagens da proposta e cálculos
justificativos da proposta de fundações e estrutura, entre outros documentos.
Tudo isto no prazo mínimo previsto na lei para um Concurso público… 9 dias!!!!.
Na qualidade de pretenso concorrente, uma vez que me inscrevi no
procedimento em plataforma electrónica, cumpre-me comentar o referido concurso:
Da análise das peças imediatamente concluì que o procedimento configura
um trabalho de concepção, uma vez que exige o estudo prévio de arquitectura e
especialidades. Como o Código dos Contratos Públicos especifica, existem várias
modalidades de Concurso Público, entre eles a figura do Concurso público de
Concepção, no entanto, e neste caso a C.M. de Setúbal adoptou simplesmente o
Concurso público normal, como se de uma simples aquisição de serviços se
tratasse. E pôde fazê-lo porque o CCP está blindado para que as entidades que
recorrem aos vários tipos de concurso público o façam da maneira que querem e
entendem, basicamente porque ninguém nem nada fiscaliza as escolhas que são
feitas no momento de lançar o concurso
A apresentação de uma proposta deste tipo obedece a um conjunto de
tarefas que decorrem de forma sequencial, não podendo serem terminadas
determinadas fases sem a precedente ser concluída, ora, o prazo pedido de 9
dias para elaborar tudo o que é pedido é fisicamente impossível, facto
facilmente verificável elaborando um cronograma de Gantt.
ualquer proposta apresentada nestas condições padeceria certamente de
falta de qualidade, objectividade, e indícios de vício, num equipamento tão
importante para a Cidade de Setúbal.
Para além disso a C.M. de Setúbal riscou da sua lista todos os traços de
transparência eticamente aconselhável ao não promover a audiência de interessados,
escudando-se a C.M. De Setúbal numa pretensa urgência do procedimento.
Mas… o procedimento era público, pelo que múltiplas equipas se
inscreveram na plataforma electrónica de modo a obterem acesso às peças do
procedimento… a indignação foi geral, como se pode confirmar pelos pedidos de
esclarecimento feitos pelos concorrentes na plataforma, cujo conteúdo é
público, sugerindo inclusive comentários de Arquitectos Portugueses
reconhecidos, caso de Alcino Soutinho, que confirmavam o sentimento geral,
passo a transcrever:
“Exmos. Senhores:
Face ao curto prazo de entrega do presente concurso (9 dias) em que é
exigido um estudo prévio de arquitectura e um programa base para todas as
especialidades, maquetes ou imagens 3D, solicitava a informação do concorrente
que já elaborou o projecto e irá, obviamente, vencer este simulacro de concurso.
Com os meus melhores cumprimentos
ASOUTINHO ARQUITECTOS, LDA”.
Pois é, o concurso teve mesmo um vencedor, dos dois que se
candidataram… o Arquitecto Gonçalo Silva.
Concluindo, face ao exposto, estamos perante um
procedimento inquinado, padecendo de vícios e enfermidades irrecuperáveis que
só a impugnação no devido tempo teria feito sanar.
Porque não foi feita a impugnação? Bem, impugnar um
concurso, neste país, custa dinheiro, é preciso pagar a um advogado num
relativo curto espaço de tempo (5 dias), quantas pessoas estão dispostas ou têm
capacidade financeira para o fazer?
Será por essa razão que muitas destas questões são
dirimidas na imprensa?
A prática profissional da Arquitectura não se coaduna com
prazos de nove dias para desenvolvimento de projectos definidos com o rigor
expectável de um ‘Estudo Prévio’. Por muito menos, o Serviço de Concursos da OA
já considerou outros concursos inaceitáveis, alertando para as sanções
disciplinares decorrentes da participação dos seus membros em concursos deste
‘calibre’.
Não estando salvaguardados os princípios da própria
actividade profissional da arquitectura, nem tão pouco os da efectiva
concorrência os membros da Ordem dos Arquitectos têm o dever de não participar
e denunciar este tipo de práticas em Concursos.
O meu falecido Avô, Dimas
Pereira, foi fundador do Circulo Cultural de Setúbal, no imóvel que hoje a
C.M. de Setúbal quer e muito bem, instalar a Casa da Cultura. Circulo, de
amigos, que foi fundado sobre os princípios da igualdade e dos ideais de Abril.
… sou formado em arquitectura, nasci no ano de 74 e conheço
bem os ideais de Abril, pelo que me espanta a desigualdade de oportunidade
patente neste concurso, 36 anos passados. Parece que algumas Instituições
reagiram mal á democratização dos procedimentos.
É este o triste inicio que queremos para uma Casa da
Cultura?
É este o Nosso futuro?
Na sequência deste concurso foi enviada uma carta á
Presidente da C.M. de Setúbal, a resposta veio lacónica de um tal vereador
Rabaçal alegando a urgência do prazo… por um prazo, deita-se ao chão a
democracia, a igualdade de participação…
parece que é assim que funciona a C.M. de Setúbal.